O turismo e suas idiossincrasias


Carina Mendes

Sou uma apaixonada pela época medieval. Não sei bem de onde vem essa conexão, meio forjada, por se tratar de uma realidade europeia, mas talvez seja por gostar tanto de história. Adoro filmes, seriados e documentários sobre o período, vejo todos! E sempre fico com a ligeira impressão de que vivi ali, em algum lugar.

Sei que mora aí um romantismo de minha parte. Mesmo as representações cinematográficas mais fiéis não devem chegar perto do que eram os burgos medievais. Da violência à falta de higiene, das doenças à ausência de medicamentos, certamente não era um tempo bom de se viver. E morria-se cedo.

Numa viagem a turismo pela Toscana, na Itália, colocamos no roteiro uma passada por Volterra, uma cidadezinha com muralha, castelo e tudo o mais, onde acontece todos os anos, no mês de agosto, um festival medieval. Eu e minha família ficamos encantados com a ambientação do centro histórico, as pessoas caracterizadas, as barracas com produtos e atividades que nos faziam voltar no tempo.

O ano é 1398 e passeamos pelo burgo como se fizéssemos parte daquele cenário, parando em frente a um palco onde estão colocados instrumentos de tortura. Há pessoas simulando os carrascos e outras os torturados, tudo de modo divertido, leve, como um grande teatro interativo que mistura moradores fantasiados e visitantes desavisados.

Quando dou por mim, um carrasco desce do palco e vem em minha direção. Me puxa pelo braço, convidando-me para subir. Fico sem jeito, dou risada, e, encorajada pela família, acabo indo. O italiano de sorriso largo me coloca na berlinda, uma placa de madeira na qual se prende o suposto culpado pelos braços e pescoço, limitando sua mobilidade.

Posicionada no meu instrumento de punição, o carrasco começa a fazer cócegas nas minhas costas com um galho. Eu rio, não sei se pela tortura ou pelo constrangimento, ao passo que ele me pergunta: “Tu sei pentita?”.

Não tinha estudado esse verbo no curso de italiano, pentire, que diabos significa? “No, no”, respondo. E ele: “no?”, sacudindo o galho e repetindo a pergunta.

Mergulhada na encenação por alguns segundos, imagens mais reais de um tempo medieval começam a emergir na minha frente, como um véu que se abre e revela o mecanismo de um truque. Vejo sujeira, ratos, baratas, sinto cheiro de podre, de comida estragada, ouço os gritos dos barraqueiros e da dor dos companheiros e companheiras do palco. Um chicote parece alcançar minhas costas. Nas pernas, fraqueza.

— Tu sei pentita? — o carrasco torna a dizer.

— Si, si — digo alto, como se agora houvesse desvelado o significado da frase. Ele levanta a régua superior da berlinda, liberando minha saída.

Desço do palco já no século XXI e um pouco tonta. Dissimulo meu súbito mal-estar, me recomponho e junto à minha família rio da experiência teatral. Penso naquela romantização da tortura e nessa ideia de se explorar eventos cruéis como atração turística. Afinal, até onde se vai para atrair visitantes? Olho no tradutor do celular o significado da frase do carrasco: “Você está arrependida?”. Respondo mentalmente: “Não, valeu a pena”.

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Carina Mendes

E-mail: mendes.carina@gmail.com

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