Carina Mendes
Se tem algo que me perturba nas cidades é a batalha entre árvores e fios. Sempre que vejo sinais deste conflito, me vem um diálogo imaginário entre os dois que seria mais ou menos assim:
─ Ah não, lá vem você de novo querendo se meter onde não é chamada ─ diz o fio.
─ Fala sério, vocês chegaram aí depois de mim e ficam me tolhendo, impedindo meu crescimento. Onde já se viu? ─ responde a árvore.
─ Ah, dona árvore, mas a gente é muito mais importante do que a senhora. Sinto muito. Os humanos não vivem sem energia, telefone, internet.
─ Ah, mas eu gero sombra, ajudo a tornar a experiência para quem caminha mais agradável, também sirvo de abrigo para passarinhos, que espalham sementes, comem insetos e por aí vai.
─ Grandes coisas ─ o fio retruca.
E assim a conversa segue, cada um elencando suas próprias vantagens e tentando diminuir a importância do outro. O fato é que a árvore sempre perde. Acaba recebendo uma poda drástica, dessas que deixa a copa toda torta ou retira quase todos os galhos, deixando a gente em dúvida se ela vai sobreviver.
Agora estamos na época dos flamboyants, quer dizer, já passamos do período da florada, mas as belas copas que vão do vermelho ao laranja persistem pela cidade. Uma lindeza! Há recomendações de que não sejam plantadas em calçadas ou mesmo perto de construções por causa de suas raízes extensas e superficiais. Ainda assim, aqui na cidade onde moro tem várias no meio urbano. Sorte nossa!
Quando vejo fios por perto, já me dá um arrepio na espinha. O diálogo imaginário retoma na minha cabeça. No caso dos flamboyants, tenho pensado numa revolta encabeçada pelas suas flores, elas se unem e transformam a copa numa espécie de escudo, denso, intransponível. Os fios não têm a menor chance, entortam, ficam rendidos, param de funcionar porque são frágeis demais para essa batalha. Os podadores são convocados, mas entram em greve tocados pela beleza dos flamboyants. Cai a luz, a internet e o telefone. Caos geral na cidade.
Acho que extrapolei. Mas ainda assim torço para que vençam as flores. Sempre.
Cabo Frio, 18/01/2024