Carina Mendes
O encontro revelara uma conexão real. Há tempos Virgínia não se sentia assim preenchida, plena, satisfeita. Um encontro de almas, ela pensou ao sair do restaurante. Os algoritmos haviam errado todo esse tempo, haviam escondido Flávio em meio a equações distorcidas. Não entenderam os gostos de ambos, mas acabaram se rendendo e promoveram o encontro do sábado passado.
Ela toca a campainha. Alguns segundos e ouve o barulho das chaves. A porta abre lentamente, rangendo as dobradiças. A sua frente, enxerga um vulto. “Oi, pode entrar”, ele diz em tom áspero, como se houvessem lixado as suas cordas vocais. Virgínia entra. O apartamento é uma caixa oca, escura, sem frestas. Na sala, avista um colchão que serve de sofá, uma mesa com um cinzeiro e um cigarro aceso, duas cadeiras e uma televisão pequena sobre uma caixa de papelão. Não saberia dizer como um imóvel localizado em endereço nobre da cidade poderia ter aquele aspecto.
Depois do jantar, Virgínia o levou ao seu apartamento. Constatou que além da afinidade das mentes, havia a da cama. Foram horas de uma maratona fantástica, com muitos vencedores e medalhas. Alcançou o êxtase inúmeras vezes. Riu, a ponto de gargalhar, das descargas emocionais e carnais promovidas por Flávio. Agora era para valer, estava certa.
“O que aconteceu aqui?”, ela pergunta sem rodeios. “Estou numa fase complicada da minha vida”, Flávio responde em tom cortante caminhando na direção da cozinha, “Você quer beber alguma coisa?”. Virgínia examina o ambiente com olhos atônitos e aceita a oferta, um vinho, e o acompanha até a cozinha. Os armários com portas desalinhadas e os revestimentos encardidos lhe dão gastura. Ele argumenta que precisa comprar copos e lhe serve a bebida em um desses de requeijão. “Você não se importa, né?”
Passaram a semana toda se falando. As afinidades pipocavam por meio das mensagens de texto como fogos de artifício. Promessas, provocações, sentimentos e desejos iam se entrelaçando nas telas dos celulares apontando para um horizonte promissor. Apesar das vontades, a rotina assoberbada de ambos não permitiu um segundo encontro antes de sete dias.
Ela encosta seus lábios no copo, o suficiente para fingir um gole. Olha para Flávio, para a cozinha, para o encardido do rejunte. O amontoado de roupas na área de serviço. A luz lhe parece fraquíssima, oscila querendo apagar e lhe revela um bruxo com um sorriso irônico indisfarçável, como se estivesse jogando com ela. É a primeira vez que se sente muda, não há o que dizer. Flávio reforça o silêncio, que ganha o peso de uma bigorna. Ele pega uma panela no armário baixo, coloca água da torneira até a metade e leva à boca do fogão.
Virgínia nunca foi de nutrir falsas expectativas, aos trinta e sete já estava calejada dos encontros de aplicativos. Sabia que não era o canal ideal para um namoro firme, mas ninguém lhe apontava outro mais profícuo. Mantinha-se ali então disposta a lidar com os mais diversos tipos de homens e tinha um arsenal de frases afiadas na ponta da língua, caso necessário. Flávio era diferente, entretanto. Percebeu logo de cara. Química forte, sabia que ali tinha futuro.
No alto do armário, Flávio pega duas embalagens de miojo, abre e coloca na panela com a água fervendo. Virgínia observa o movimento, apoia o copo na bancada e expira esvaziando todo o ar do peito. “O que você vai fazer?”, “Miojo”, “Isso eu tô vendo, mas a minha pergunta é: você vai me oferecer miojo de jantar?”, “É que estou numa fase complicada da minha vida”. Ela passa os dedos no cabelo e expira profundo novamente. Dá uma desculpa esfarrapada do porquê precisa ir embora.
“E aí, gata, quero te ver amanhã”, a mensagem apareceu na tela do celular. “Também quero, gato, vamos marcar”, Virgínia digita. “Pode ser na minha casa. Preparo um jantar”, aparece a mensagem de resposta. “Promissor”, ela digita.