Carina Mendes
Prática de exercícios como recomendação médica. Esse seria seu último recurso para sair da depressão. Depressão? E recobrar a sanidade. Sanidade? Será que algum dia ela existiu? Ele se questiona ainda no consultório. De toda forma, na semana seguinte, após amargurar as falas francas da psiquiatra, acaba se matriculando na academia.
Primeiro dia, passa pela roleta e é logo abordado por um instrutor de corpo musculoso e bronzeado, um antagonista, ele pensa, é como se olhasse sua imagem em negativo, um espelho ao contrário. Em reação, comprime os ombros na direção dos joelhos, fechando o peito, e murcha o rosto disfarçando sua desconexão inata àquele local. O instrutor o conduz ao primeiro aparelho exalando um bom humor cheio de endorfina.
Ele se senta na bicicleta e pedala desajeitado, ombros encolhidos, pernas girando por vontade própria, desconectadas do tronco. O olhar distante parece observar uma paisagem inóspita, na qual gostaria de estar. Um mundo sem gente. No entanto, o ambiente composto por corpos suados e dedicados, sofridos e satisfeitos, dançam, num baile conduzido por músicas indistintas, uma sequência de notas martelando na sua cabeça e na de todos. Acha graça, segura o sorriso.
Após quinze minutos, o moreno sorridente volta e o conduz ao aparelho de supino. Deitado, estende os braços sem carne e tenta suportar o peso de duas pequenas anilhas na barra de ferro. Vacila. O instrutor o anima com frases motivacionais, as quais ele detesta em qualquer contexto. A fúria lhe dá forças para executar as sequências especificadas. O olhar ácido afasta o instrutor: “pode continuar aí, amigão”. Do canto da sua boca escapa um assobio semelhante a um riso.
No aparelho seguinte, o instrutor se aproxima menos feliz. Orienta-o afastado, poupa palavras. Corrige o movimento, mais para que aquele ser estranho não tenha uma crise nervosa ao se machucar, do que por ética profissional. Ser corrigido o enfurece e passa a executar o movimento de pernas de forma aleatória, deixando as placas de peso da máquina baterem desmanteladas. Todos olham em sua direção. Os barulhos e os olhares desencadeiam nele risos aflitos, entrecortados pelos silêncios que emergem das tentativas de se conter.
A cada novo aparelho, ele passa a enxergar doses de depressão e insanidade naquele ambiente, como se ele próprio as estivesse transferindo. Ou como se já estivessem ali e ele as descortinasse conforme adquire força. Aquilo o enche de satisfação. Uma nova alegria o invade, ele deixa sair uma gargalhada estrondosa e assustadora que preenche todos os espaços, os equipamentos, supera a música das caixas de som, dos fones de ouvido, e atinge as cabeças suadas como uma martelada. Todos param.
Ele tenta se conter; outra gargalhada. Tenta se conter de novo; mais uma. Caras aterrorizadas. Respira fundo e diz: “Desculpem-me, hahaha, senhoras e hahaha senhores, foi o hahaha excesso de endorfina hahaha”. Acena com um tchauzinho desengonçado para todos, passa pela roleta dançando uma música oriunda de sua própria cabeça e vai embora.
Para nunca mais.